Oriente Médio

Jordânia

As incríveis paisagens da Jordânia e a despedida do Oriente Médio

Saímos penosos da Síria. Estávamos realmente impressionados com o quanto nossa estada tinha sido agradável. Porém, a Jordânia prometia muito, principalmente as paisagens do salgado Mar Morto e do desértico Wadi Rum. Tínhamos uma boa sensação no ar.  

Nossa entrada começou com certa aporrinhação. Os gênios do lado sírio da fronteira, após um mal sucedido telefone sem fio entre eles, conseguiram a proeza de rabiscar uma das escassas folhas do nosso Carnê de Passagem. Fiquei fulo da vida! Os caras simplesmente se confundiram e utilizaram uma folha nova do carnê, como se eu estivesse entrando na Síria, e não saindo. Reclamei um bocado e ainda tive que ouvir o pedido de grana do garoto que nos “ajudou”... Brincadeira!  

Já o lado da Jordânia seguiu sem problemas. Fiquei até surpreso com a falta do – sempre presente – auxiliar para aquilo que você poderia fazer sozinho. Após quase uma hora, estávamos comemorando e rodando pelas estadas de mais um país. Nosso destino era a capital, Amã.  

Chegamos rápido, curtindo a paisagem desértica. Assim como outras capitais da região, Amã é grande e confusa. Porém, a distinção com Damasco é impressionante. Amã é bem mais moderna e organizada – perdendo, porém, em charme.  

Já na entrada, totens luminosos de Mc Donalds, Subways e Burger Kings, entre ruas bem asfaltadas, mostraram que estávamos de volta à “civilização”. Consideramos esse momento como um refresco das areias e aproveitamos para descansar.  

Encontramos um hotel excelente. Não necessariamente por suas instalações, mas sim pela receptividade do pessoal. Em especial o simpático Raytah (sem a certeza se é assim que se escreve...). Mais do que somente nos ajudar, ele realmente se preocupou em fazer com que nossa estada fosse a melhor possível.  

Ficamos basicamente no quarto, acessando a internet e finalizando o diário de bordo da Turquia. Saímos somente para uma vã ida à embaixada do Sudão, para tentar adiantar o nosso visto. Recebemos a indicação de tentar novamente no Cairo e voltamos para o hotel.  

Saímos de Amã com destino ao Mar Morto. Demos sorte de ser sexta-feira, dia-feriado muçulmano, o que fez com que nossas erradas no caminho de saída da cidade não nos custassem tanto. Após subirmos aos mais de mil metros de altitude, paramos no mirante do Monte Nebo, de onde tivemos a visão de uma parte do Mar Morto e também da outra margem, pertencente a Israel e aos Territórios Palestinos.  

A chegada no Mar Morto foi realmente interessante. Descemos de mais de mil metros de altitude para quase quatrocentos abaixo do nível do mar! É uma estranha sensação, a de se estar tão abaixo do nível dos oceanos... Chegamos no meio da tarde, tendo tempo para simplesmente rodar em uma velocidade bem lenta e apreciar a vista. A sinuosa estrada fica a cerca de cinqüenta metros de altura da água, o que faz com que o passeio seja deslumbrante.  

Seguindo rumo sul, íamos nos aproximando de um ponto possível para se acampar. Tínhamos caprichado nas compras e estávamos com grande expectativa de fazer o jantar curtindo o pôr-do-sol junto com o Pezão. Chegamos ao local e fomos surpreendidos com uma muvuca fenomenal. A vantagem de ser dia-feriado na saída de Amã virou desvantagem no Mar Morto. Era “domingo de praia”!  

Mas realmente isso não nos incomodava. Estávamos ainda motivados para nos juntarmos aos locais para um salgado mergulho e depois um churrasquinho. A visão de um garoto, de seus quinze anos, completamente coberto de lama, mostrou que teríamos ainda a chance de algumas fotos pitorescas. “Vamos parar!”.  

Saímos da estrada e descemos o Pezão em uma parte que parecia um estacionamento. O GPS indicava que aquele era o preciso lugar onde tínhamos conhecimento de outros viajantes que ali acamparam. Começamos a andar vagarosamente e abrimos os vidros. Nessa hora, a Du gritou: “Fecha! Fecha! Fecha os vidros que está entrando uma quantidade colossal de moscas!”. Em menos de dois segundos, seis times de futebol completos de moscas resolveram jogar uma partida dentro do Pezão! A Du mandou: “Ferrou! Acho que não dá pra ficar aqui...”. Eu continuei olhando, meio incrédulo, pensando que poderia ser exagero e que não era tão ruim assim.  

Nesse momento, olhei para frente e vi um cara próximo a um carro, colocando a roupa. Ele estava em seu momento “saída da praia”. Olhei com cuidado e vi que uma quantidade imensa de moscas estava ao seu redor. O cara não se abalava, o que me fez acreditar que as moscas não incomodavam tanto. Porém, ao passar pelo carro, dei de cara com a calça marrom do figura jogada no capô. Sem brincadeira... Milhares de moscas posadas em cima! Se o Pezão era o gramado do Maraca, a calça do malandro era a arquibancada em dia de clássico! Meio segundo olhando aquela cena foi suficiente para me convencer de que precisávamos de outro lugar.  

Demos meia volta e retornamos à estrada. Pezão na velocidade, vidros abertos, moscas pra fora! Continuamos rumo sul, de olho em outro local para acampar. Achamos um lugar perfeito – sem ninguém e sem moscas. Porém, um milico que estava de guarda em uma guarita gritou e nos enxotou de lá. De volta para a estrada! Um pouco abaixo, avistamos uma pick-up parada na areia, bem próxima à margem. Ficamos animados e descemos o Pezão também. A descida tinha uma parte bem íngreme, então fui falar com o dono da pick-up que eu iria descer e subir de volta e, se o carro emperrasse, se ele podia dar uma força. Se eu conseguisse voltar, significava que poderíamos passar a noite por ali e sair sem problemas no dia seguinte. Sinal verde, lá fui eu e o Pezão. A descida, como sempre, foi mole, mas a inclinação que o Pezão ficou deixou claro que a volta não era tão fácil. Na volta, a Du me olhou e falou: “Ih... A platéia tá grande!”. Olhei para trás e vi que todo mundo que estava dentro d’água ficara na expectativa da nossa performance. “Vamos lá!”. Primeira reduzida, diferencial central bloqueado e motor em dois mil e quinhentos giros... O Pezão subiu com muita facilidade. Olhei para trás, triunfante, e ninguém mais nos olhava. “Neguinho só quer ver derrota!”, brinquei comigo mesmo. 

Afaguei o Pezão e voltei a descer. O colocamos o mais na horizontal possível e preparamos o esperado mergulho. Entrei primeiro, para a Du fotografar. A sensação não era novidade para a gente, pois tínhamos mergulhado em águas saturadas de sal no Atacama, mas é sempre interessante. A Du veio depois, devidamente escolada depois do mergulho de cabeça no Chile. Mas dessa vez foi um arranhado nas costas, que ardia como o inferno, que fez com que ela saísse rapidamente.  

Puxei um papo com o pessoal da pick-up. Foi quando eles nos avisaram que o exército viria nos expulsar dali se nos vissem passando a noite. O conselho deles foi no sentido de não fazermos uma fogueira, o que dificultaria a visão dos militares, mas o simples fato de imaginar um milico nos expulsando de lá no meio da madruga nos fez decidir que era melhor sair dali. Foi uma pena, pois o lugar era fantástico. Mas tínhamos que aproveitar que ainda havia sol para arrumar um canto.  

Como ao sul não havia mais nada, tivemos que voltar pelo mesmo caminho. A boa notícia ficou pela paisagem. A Du tirou fotos simplesmente fantásticas das águas cristalinas do Mar Morto contrastando com as montanhas ao redor, que refletiam magicamente a baixa e avermelhada luz do pôr-do-sol.  

Tínhamos passado por alguns hotéis imensos logo após a descida, então rumamos para lá para ver se era viável. Todos lotados! A única vaga disponível custava seiscentos dólares por uma única noite! “E agora?!”. 

Entramos em uma praia que estava bem cheia. Carros e barracas aos montes. Nisso, já era noite. Perguntamos quais seriam nossas opções e o resultado foi: voltar para a última cidade que tínhamos passado, o que significava cerca de cinqüenta quilômetros para trás e mais de mil metros para cima; ou dormir na beira da estrada mesmo, perto da polícia, o que seria mais seguro. Optamos pela segunda.  

Paramos na delegacia e contamos a história. Após um início meio rebuscado, o papo acabou de maneira muito amistosa, principalmente depois que nos identificamos como brasileiros. Paramos na beira da estrada junto a diversos outros carros, cujos ocupantes aproveitavam a brisa para curtir a noite, fazendo kebabs na brasa e fumando shisha com o narguilê.  

O nosso carro vizinho era de um grupo boa gente, que nos convidou para o jantar e para umas “shishadas”. Eles eram jordanianos descendentes de refugiados palestinos, então aproveitamos para perguntar sobre os conflitos da região. Decididamente, não há aula de história melhor do que essa. 

Pouco depois das dez da noite o último carro foi embora, e só sobrou o Pezão. Foi uma noite muito tranqüila, com o silêncio sendo interrompido somente pelo escasso fluxo de veículos na estrada.  

Para os próximos dias, tínhamos pela frente um dos mais famosos parques arqueológicos do mundo: a cidade de Petra. Acabamos ficando pela parte turística da cidade por três noites, reservando um dia inteiro para conhecer as ruínas e outro para descansar.  

No parque arqueológico, tudo começa em um imenso desfiladeiro, o Siq – poucas caminhadas no mundo podem ser mais interessantes. O pavimento ancestral e as paredes de até oitenta metros fazem você perder o fôlego. 

Cerca de cem metros antes do término do desfiladeiro, tem-se a primeira visão do principal prédio da cidade, chamado de “A Câmara do Tesouro”. Nesse momento, ele se apresenta parcialmente ao fundo, em uma única fatia vertical perfeitamente iluminada e emoldurada pelas escuras paredes opostas do desfiladeiro. A visão é incrível (a Du capturou bem a cena e fez uma foto que vale mais que todas as palavras). Parei por um segundo, olhei com calma, respirei fundo, e então me imaginei na pele do explorador suíço que, reza a lenda, redescobriu a cidade de Petra para o Ocidente no XIX. Foi, seguramente, um grande teste cardíaco.  

Andamos pela cidade, admirando suas construções e seus monumentos, por mais de cinco horas. Petra possui outra vantagem: sua magnitude faz com que as hordas de turistas, presentes na Jordânia tanto quanto na Turquia, percam em importância. Diferente, por exemplo, do museu ao ar livre de Goreme, na Capadócia, a cidade de Petra não diminui sua elegância com as inúmeras pessoas à sua volta. Ao contrário, a referência do tamanho humano inclusive ajuda na difícil tarefa dos fotógrafos de tentar passar uma parte da imponência dessa cidade escavada na pedra.  

Voltamos ao hotel e, após um rápido jantar e algumas boas conversas pelo Skype em um cyber café, desabamos. Tiramos o dia seguinte para recarregar as energias e nos preparar para um dos locais mais esperados de toda a viagem: o deserto Wadi Rum. Após o Mar Morto e Petra, parecia pedir demais à Jordânia que nos brindasse com outras paisagens, mas os belos cenários pareciam não ter fim.  

Nossa programação incluía duas noites em pleno deserto. Sem hotel, sem camping, sem luzes. Somente nós e o Pezão. Não precisávamos de mais nada.  

Chegamos rapidamente, logo após a hora do almoço. Passamos pelo Centro de Visitantes e entramos na reserva. Com um pequeno mapa em mãos, seguimos por entre as montanhas e tivemos a primeira idéia de como estávamos em um lugar bonito. O Wadi Rum é composto basicamente por vales arenosos salpicados de grandiosas montanhas de cinqüenta a cem metros de altura. As cores das montanhas, ora alaranjadas, ora avermelhadas, dependendo da incidência da luz, contrastam com o azul do céu e criam um espetáculo natural. 

Paramos o Pezão em uma sombra e preparamos um almoço rápido. Sentados na brisa, sozinhos, em uma imensidão daquela, ouvindo música e comendo um macarrão instantâneo... Realmente tínhamos tudo o que precisávamos. 

Continuamos seguindo parque adentro. A cada centena de metros, a areia tornava-se mais fofa. Era hora de esvaziar os pneus. Eram pouco mais de três da tarde e procurávamos um local onde o mapa indicava a presença de dunas. Seguimos por mais meia hora, totalmente boquiabertos com a beleza das duas montanhas que nos cercavam. A areia, nessa hora, afofou de vez! Coloquei os pneus na menor pressão possível e voltamos a andar.  

A desenvoltura do Pezão nas areias estava superando totalmente as expectativas. Sempre seguindo as rotas deixadas pelos outros veículos, seguíamos com muito menos dificuldades do que eu imaginara em função das nossas três toneladas de peso. Eu estava eufórico com a nossa liberdade de movimentos.  

Chegamos às dunas. Elas eram realmente incríveis, e a Du estava tirando fotos sensacionais. Olhei para uma delas com olhar de cobiça.  

Vi uma imensa rampa totalmente iluminada e imaginei a foto. Subir era impossível, já descer... Dei meia volta e apontei o Pezão para a lateral da duna. O plano era subir pela lateral e descer pela rampa. Embalei e fui! O Pezão parou, mas chegou quase lá. Com a autoconfiança a toda, dei marcha a ré e ganhei mais distância. A Du estava apreensiva. Dei mais embalo inicial e o Pezão avançou mais alguns metros em relação à primeira, mas novamente parou. Comecei a voltar novamente de ré. Olhei então para o lado e vi que a rampa que tínhamos à direita era de uma altura razoável. Não era a rampa que eu queria chegar, mas pelo menos era alguma coisa... Tomei, nessa hora, a decisão errada. Resolvi virar a direção e sair da trilha que tínhamos feito na subida. A idéia era jogar a traseira para cima e descer perpendicularmente. Ferrou! Quando atravessei o Pezão, paramos de vez. Não íamos para frente, nem para trás. Olhei para a Du e falei: “Empacamos!”. Realmente foi uma péssima idéia tentar “manobrar” na areia.  

Saí do carro e vi o quanto estávamos encrencados. A areia era muito fofa e as valas que nós mesmos havíamos feito eram quase metade da altura das rodas. Lembrei do peso do nosso amigo de lata e pensei: “Isso vai dar um trabalho...”.  

“Vai ser bom para testar os equipamentos de resgate!”. Tem que pensar positivo nessas horas. A primeira coisa foi a âncora com o guincho: uma porcaria! A âncora simplesmente não prendia na areia fofa. Além de tudo, sumiu o controle remoto sem fio do guincho. Aí, eu fiquei chateado. A Du, me vendo assim, começou a cavar as areias, enfiando os dois braços até quase os ombros. Desistimos de procurar e eu peguei o controle com fio, para tentar mais uma vez, em vão. Desisti do guincho.  

Foi a vez do high-lift: impossível! O Pezão estava bem inclinado lateralmente, então eu tinha duas opções: levantar o lado mais alto, o que me fazia ter calafrios com medo de virar o bicho de vez; ou levantar o lado mais baixo que, com o peso ampliado pela inclinação, fazia o high-lift gritar a cada manivelada como se eu estivesse torcendo o pescoço de um gato. Desisti. Olhei para a velha e boa pá, que esteve todo esse tempo no teto do carro simplesmente pegando brisa e servindo para as fotos e falei: “Chegou sua vez!”. Quando a peguei, senti toda a sua felicidade.  

A Du, nessa hora, tentava ajudar de algum jeito. Pegando coisas, cavando com a mão. Comecei na árdua tarefa de cavar à frente de cada pneu e avançar um pouco com o carro. Pouco mesmo! Cada operação rendia cerca de trinta centímetros. Olhei para os metros que tínhamos à frente e vi que a tarde ia ser longa. Quando estávamos quase no início da rampa, e próximos da nossa liberdade, resolvi tentar também as sand tracks. Não levava muita fé nas placas de metal, mas o cansaço das cavadas me fez tentar de tudo. Cavei nas rodas da frente e coloquei as sand tracks. Cavei atrás e entrei no carro. Quando estava entrando no Pezão, para mais essa rodada de aceleração e areia para o alto, a Du me gritou: “Acho bom você sair nessa vez, senão vai passar vergonha!”. Olhei para baixo e vi a cena de terror: meia dúzia de Toyotas Land Cruiser, carregadas de turistas, estavam estacionadas aos pés da rampa! Olhei com mais calma e vi que dois guias vestidos de beduíno já começavam a subir a duna. Segurei firme no volante e falei: “Parceiro, estamos juntos nessa! Não vamos passar vergonha!”. Primeira reduzida, diferencial central bloqueado, giro alto... “Bora!”. O Pezão deu um pulo pra frente! O curto tempo em cima das sand tracks foi suficiente para atingirmos um mínimo de velocidade, o que nos permitiu avançar mais alguns centímetros e começar a descida... Estávamos livres!  

Desci aliviado e sorridente! Olhei para os beduínos e os cumprimentei, ainda esbaforido. Falei poucas palavras em inglês, mas, resumindo, foi tipo: “E aí? Tudo em cima? Estão de passagem? Por aqui, tudo sob controle. Estava só me divertindo um pouquinho nas areias”. O beduíno me olhou sorrindo e depois mirou a cena que eu tinha deixado pra trás: a Du, descendo já com alguns de nossos objetos, e outras coisas simplesmente jogadas na areia. Mesa, cadeiras, sapatos, pá, âncora, sand tracks... Olhei para o meu braço e não se via pele, só areia. O beduíno voltou a sorrir e perguntou: “Há quanto tempo você está aí, tentando tirar o carro?... Aceita um chá?!”. Respondi, respirando fundo e confessando: “Estamos aqui há uma hora... Aceito uma água...”.  

Paramos para o chá com os beduínos e seus turistas e recolhemos nossas coisas. A perda foi que ficamos uma boa parte do final da tarde, quando a luz estava magnífica para fotos, nessa faina inacabável. Pelo menos a Du conseguiu tirar excelentes fotos dos beduínos, suas fogueiras e suas chaleiras.  

Aceitamos ir com eles até o ponto de pôr-do-sol. Quando a Du entrou no carro, ela gritou: “Olha o que eu achei!”. Era o controle remoto do guincho. Ele estava dentro do carro o tempo todo. Ela me olhou novamente e falou: “Ferrou... Prometi mil pulinhos para o São Longuinho se achássemos...”. Ela repactuou a dívida e conseguiu um financiamento, para pagar os pulinhos em partes. Até o momento que escrevi esse diário, São Longuinho ainda não tinha recebido mais do que duas parcelas de cem pulos cada. Espero que não incidam juros...  

Vimos o pôr-do-sol e saímos para procurar um canto para o nosso acampamento. Resolvemos ir atrás de um dos pontos que tínhamos no GPS. Subestimamos o tempo trajeto e a noite caiu. Dirigir com a luz do farol nas vias de areia foi extremamente emocionante. Eu adorei! Só que as chances de acharmos um bom lugar começaram a ficar remotas. Estava realmente escuro e só enxergávamos aquilo que os faróis refletiam. Das montanhas, víamos somente as sombras.  

Passamos entre duas montanhas bem próximas e subimos em um pequeno platô. Perfeito! Muita sorte. Armamos acampamento e, enquanto eu preparava o churrasco – um kebab de frango, que incrivelmente achamos em Petra e que incrivelmente teimava em ficar cheio de areia – a Du se divertia com fotos noturnas do acampamento e das estrelas. Uma delas, com a luz da lanterna iluminando o Pezão, terminou em uma das melhores fotos até agora.  

Jantamos, apagamos todas as luzes do Pezão e sentamos nas cadeiras para apreciar o céu. Após alguns minutos, nossos olhos se acostumaram com a escuridão e pudemos ver novamente o céu estrelado característico dos desertos. Na hora lembramos da noite no Atacama e começamos a tentar identificar as constelações e a “nuvem” da Via Láctea. O silêncio era profundo e encantador. Fomos dormir extremamente cansados e totalmente felizes.  

O dia seguinte foi igualmente emocionante. Vias de areia cada vez mais fofas e eu e o Pezão cada vez mais entrosados. Passeamos por horas entre montanhas e dunas magníficas. O melhor momento foi ao final da tarde, quando o sol fez o trabalho de iluminar preciosamente as faces do lado oeste das montanhas. Que bom que tínhamos uma fotógrafa ao nível do lugar. 

Acampamos mais cedo nesse dia e aproveitamos ainda mais a noite. Estávamos começando a nos despedir do Wadi Rum.  

Saímos na manhã seguinte em direção à Aqaba, onde teríamos o nosso primeiro contato com o famoso Mar Vermelho - que compartilha suas águas com o Golfo de Aqaba. Nossa despedida do Wadi Rum foi estupenda, pois ele nos deu adeus com um céu matinal de um azul que eu simplesmente nunca vira antes. A Du pedia para parar a toda hora para fotos. Eu cheguei a tirar os óculos escuros e abrir a janela, pois não queria que nenhumas outras lentes, senão minhas próprias retinas, filtrassem aquele céu.  

Chegamos a Aqaba e paramos para almoçar. Encontramos, nessa hora, Alan e Jackie, os ingleses boa gente que conhecemos em Damasco. Alan, com todo seu conhecimento da região, novamente nos ajudou um bocado no planejamento daquela que seria uma das nossas mais difíceis fronteiras.  

Nossa intenção inicial era ficar por duas noites em Aqaba, porém, para aproveitar a sexta-feira, dia-feriado, e a valiosa companhia de Alan e Jackie, decidimos antecipar nossa saída da Jordânia. Saímos, já no dia seguinte, para o ferry que nos levaria a mais um país, o Egito, e a mais um continente, a sonhada África! Na fila do ferry conhecemos um dos viajantes mais figuras até agora. O alemão Gogo (se pronuncia coco) realmente superou qualquer outro viajante que conhecemos em simpatia e risadas. Tudo de bom para você, meu amigo. Espero que nos encontremos mais à frente.  

Estávamos radiantes com nossa experiência pelo Oriente Médio. Excelentes pessoas, diferentes culturas e fantásticas paisagens nos acompanharam por algumas semanas. Esse período foi tão emocionante que não nos demos conta de que estávamos a poucas horas daquilo que nos motivara lá trás, em Oisterwijk, na Holanda, quando voltamos a navegar com o Pezão: a entrada na África! Foi como se um mágico mundo tivesse passado por nós, aos fundos do Mediterrâneo, e nos fizesse esquecer que nosso objetivo era seguir adiante ao invés de simplesmente estar ali. Para nós, era como se estivéssemos saindo de casa e a viagem incrivelmente começando de novo.