Europa

Turquia

Turquia – a incrível ponte entre a Europa e a Ásia

Estávamos muito felizes por chegar à Turquia. O passeio por país mais civilizados da Europa tinha sido proveitoso: muita História, boa comida e visitas. Mas nossa experiência pela América Latina deixou claro o potencial existente em países menos acessíveis e acessados. Nessa linha, a Turquia prometia ser a ponte entre o civilizado e inóspito; entre o sofisticado e o rústico; entre a Europa e a Ásia. Andar por cidades pequenas e simples, observando seus contornos e os hábitos do seu povo, foi sempre sinônimo de ir dormir com a alegria ao nosso lado no final do dia. 

A Turquia trazia consigo ainda um tempero especial: o aumento do impacto cultural. Entrávamos, pela primeira vez, em um país de esmagadora maioria islâmica. Diferentemente dos países católicos das Américas, a massa de muçulmanos nos prometia uma quantidade infinita de cenas nunca antes vistas por nós. Estávamos realmente ansiosos. 

Nosso primeiro destino, Istambul, já prometia arrematar a maior parte das novidades. Nenhuma cidade possui a unanimidade de Istambul. A reação de aprovação foi sempre constante e enfática quando falávamos que a Turquia e, em especial, Istambul, faziam parte do nosso roteiro. O que falar da cidade que já se chamou Constantinopla e que foi capital de tantos impérios? 

A nossa chegada foi sensacional. Começamos a procurar o hotel que tínhamos reservado e nos metemos no meio de umas ruas extremamente apertadas. Nessa hora, fomos mais formalmente apresentados ao – completamente louco – motorista turco. Após algumas contra-mãos e algumas intervenções positivas de pedestres, começamos a nos aproximar. Foi com grata surpresa que aportamos o Pezão na porta de um hotel que ficava em uma fantástica rua, duas quadras abaixo da Mesquita Azul e completamente rodeada por restaurantes, lojas de artesanato, joalherias e outros hotéis.  

Na saída do carro, fomos igualmente apresentados a outra figurinha fácil na Turquia, a simpatia e a boa vontade do seu povo. O pessoal do hotel simplesmente fazia de tudo para nos agradar. Mais do que obrigação, era visível a vontade deles em fazer com que a estada fosse prazerosa. O profissionalismo deles era irretocável. A sensação de segurança era também outro ponto forte. O Pezão ficou novamente fazendo propaganda na rua, sem nos preocuparmos.  

Estávamos arrumando o nosso quarto e nos preparando para sair quando ouvimos, pela primeira vez, o Azan – o famoso chamado para a oração. Dentro da sua crença, os Islâmicos devem virar-se para a cidade de Meca e rezar cinco vezes ao dia. Esses momentos são sistematicamente precedidos por cânticos ecoados através dos alto-falantes instalados nas torres anexas às mesquitas. Como Istambul é repleta de mesquitas, o coro torna-se totalmente fascinante. Subimos ao terraço e nos encantamos com a vista que tínhamos da Mesquita Azul, dentre inúmeras outras – todas emolduradas pelo Azan! Tivemos a oportunidade de gravar em vídeo essa experiência. 

Istambul nos apresentou também um de seus contrapontos: a quantidade colossal de turistas. A popularidade cobra seu preço. Hordas de visitantes, de incontáveis origens, circulam pela periferia da Mesquita Azul. Ruas estreitas, que achávamos graça quando da passagem do Pezão, eram serventia de imensos ônibus. As buzinas faziam o papel de arranhar a paz do local. Com o cair da noite, a tranqüilidade voltou a reinar, então aproveitamos para dar várias caminhadas e escolher um restaurante para provar os pratos locais. Dentre eles, o famoso Kebab, que, para alegria da Du, vinha sempre com a opção de ser feito com frango. 

Todos os dias em Istambul eram recheados de caminhadas. Andamos por toda a redondeza do centro histórico. Nossa primeira mesquita visitada foi a própria Azul. Conhecemos, pela primeira vez, as formas e as cores dos tapetes e das luminárias do local de reza dos muçulmanos. Foi impressionante. Conseguimos algumas boas fotos, até começarem a retirar os turistas, pois tinha chegado o momento da oração e ela era vetada aos visitantes. 

A Du caminhava em roupas ocidentais sem problemas. As burcas – as famosas roupas utilizadas pelas muçulmanas – não eram muito freqüentes. O que mais se viam eram mangas curtas e joelhos de fora. Ainda assim, um pesadelo meu estava somente começando: o olhar dos muçulmanos para a Du. Era desconcertante. Os caras simplesmente não conseguiam disfarçar e a olhavam de cima abaixo com os olhos brilhando. A beleza da Du – que adoro, amo, sou totalmente parcial e fã incondicional – somada à cultura local de repreensão à exposição do corpo feminino, criou uma fórmula que iria me testar ao extremo! Eu simplesmente não conseguia me acostumar. O povo local vinha falar com a gente só pra poder chegar perto e olhar a Du melhor... Haja paciência! 

Nesse ritmo, visitamos o gigantesco e fantástico Grand Bazaar, existente no local desde o século XV. Que impressionante visão! Mais de cinquenta ruas e corredores com luminárias, tapetes, roupas, narguilês, ouro, prata... Tudo que possa se imaginar em quantidade e variedade. Passeamos por horas a fio, sem perceber a passagem do tempo. A quantidade de turista era incômoda, e trouxe com ela outra seqüela: o ímpeto dos comerciantes locais. Anciões na arte de vender, eles são extremamente habilidosos e insistentes. As abordagens eram sistemáticas e entusiasmadas: “Brasil! Brasil!”, arriscando, logo depois, algumas palavras em português. Principalmente sobre futebol – aliás, a maior e melhor porta de entrada dos brasileiros em, sem exageros, qualquer lugar! A gente dava alguns sorrisos e não perdia muito o passo, tentando se desvencilhar: “later... later...”. De vez em quando tínhamos que ser mais enfáticos porque, senão, não saíamos do lugar. Usávamos um “No, no... Thank you.” que, na tradução para o português era mais ou menos “Não, obrigado. Não vou comprar nada e... dá pra tirar o olho da minha mulher?!”. 

Porém, não resistimos e fizemos uma compra bem legal de artesanatos. Achamos um pessoal mais boa praça e compramos uma peças fascinantes. Como não tínhamos espaço no carro, eles mandariam via correio para o Brasil. Consentimos, desde que pudéssemos colocar também alguns artesanatos que já havíamos comprado em outros países, principalmente um boneco do Equador. 

Ficamos um pouco ressabiados, porque saímos da loja, depois de pagar, sem nada nas mãos. O envio por eles seria na base da confiança. Depois de conversar com o pessoal do hotel, ficamos mais tranqüilos, pois eles não conheciam histórias de turistas sendo passados para trás. De fato, menos de uma semana depois, Alexandre estava recebendo tudo em casa. Nada faltando e nada quebrado. Tinha valido muito à pena. 

Um dos pontos altos de Istambul foi a caminhada entre o Grand Bazaar e o mercado de especiarias, o chamado Spice Market, ou ainda Bazar Egípcio. A saída da rota mais tradicional do turismo nos alegrou com o aprofundamento na cultura local. Ainda não éramos os únicos, mas já não esbarrávamos em um japonês a cada passo. 

O mercado de especiarias é menor em tamanho, mas não em fascinação. Envoltos em coloridos e aromáticos temperos, andamos sorridentes pelo antigo mercado. Alguns vendedores insistentes – um deles, mais novo, quis me arrastar para dentro da barraca de jóias me dando uma “gravata” – e outras novidades – como um garrafão de água cheio de sanguessugas! – nos entretiveram por um bom tempo. 

Na nossa última noite, uma queda de luz nos fez passar pela interessante situação de comer um Kebab no escuro – escuro mesmo, sem velas! – em uma calçada dos arredores da Mesquita Azul. Quando passava o metro de superfície, aceso, era a de dar uma boa olhada no prato e memorizar o que havia e o que não havia.

Saímos de Istambul em um sábado, completamente satisfeitos pela visita. Nosso próximo destino era mais ao sul, na direção de Pamukkale e de suas famosas piscinas de calcário. 

Continuamos aproveitando as belas e boas estradas turcas. Seguimos primeiro a leste, como se fôssemos para a capital, Ankara. Porém, logo após o término do mar de Mármara, cambamos para sul, em direção, novamente, do Mediterrâneo. Como o caminho até Pamukkale era longo, paramos para dormir em Kutahya.  

A cidade de Kutahya era pequena e empoeirada e não tinha estrutura para acampar. Procuramos um hotel por algum tempo, valendo um passeio por ruas tão pequenas quanto interessantes, e acabamos em um Hilton! Sem opções baratas o suficiente que valessem o desconforto, literalmente acampamos dentro do Hilton. Levamos toda a traquitana e acabamos cozinhando, no quarto, o jantar e o café-da-manhã!

Com a boa esticada que demos no dia anterior, chegamos razoavelmente cedo em Pamukkale. Após acharmos um camping e definirmos nossa estadia, aproveitamos o entardecer para conhecer as piscinas de calcário. Já na chegada ao estacionamento, a quantidade de ônibus deixou claro que a horda de turistas novamente se fazia presente, tomando de assalto o local... Mas a visita valeu cada quilômetro rodado! As piscinas são impressionantes, apesar de não haver mais água nas partes altas. Ficamos até mais tarde e fomos um dos poucos visitantes a ver o sol se pôr inteiramente. O reflexo do pôr-do-sol nas águas paradas das piscinas faz você parar para respirar e refletir, além de garantir fotos sensacionais. 

Chegamos ao camping e fomos presenteados, enquanto armávamos a barraca, por um suculento melão. Aliás, outra coisa que mudou completamente de padrão para nós: o melão turco dessa época é sensacional! Dormimos bem e acordamos cedo. Tivemos um excelente café-da-manhã, graças ao ainda remanescente café brasileiro que carregávamos e à companhia de um mais-do-que simpático casal de italianos que compartilhava nosso camping. Conversas sobre viagens passadas e futuras e muitas risadas tomaram conta das primeiras horas da manhã. 

Nosso rumo agora era através da costa do Mediterrâneo. Nosso primeiro destino era Oludeniz, bastante conhecida por suas águas claras.
Nossa expectativa era ficar por dois dias e aproveitar para frear um pouco o ritmo. Desde a Hungria, estávamos em um pique frenético, e a nossa parada em Istambul não tinha servido muito como descanso. Sabíamos que seria importante darmos uma parada antes da Capadócia. 

Porém, Oludeniz não nos animou muito. O camping não era tão bem localizado e estruturado, então ficamos somente por uma noite e partimos. Não sem antes dar um mergulho nas calmas águas de uma espécie de lagoa em frente ao camping. 

Ainda no ziguezague da estrada costeira, nos impressionamos com a vista. Um mar estupidamente azul cercado por belíssimas encostas. A viagem não rendia, felizmente, tamanha a quantidade de paradas para apreciação e fotos.  

Ficamos empolgados com o potencial da nossa próxima parada, Olympos, e, dessa vez, não nos decepcionamos. Ficamos hospedados com um pessoal extremamente atencioso, em uma pousada pequena e rústica, a quinhentos metros da praia. Paramos o Pezão, ligamos o ar-condicionado do quarto e desabamos! 

No dia seguinte, acordamos para o café-da-manhã. Em meio a pães e frutas, recebemos uma interação da mãe do responsável pela pousada. Ele falava um inglês prático, ela, uma senhora de uns setenta e tal, nem uma palavra. Através de mímicas, ela “conversava” com a gente. Ela estava meio eufórica e agitada, apontando para o lado e fazendo um sinal com a mão na frente da boca como se quisesse dizer “comer”. A gente, repetindo a mímica, concordava com a cabeça, falando em português: “é... Estamos tomando café... Muito bom!”. Mas ela continuava insistindo. A Du, então, percebeu que ela apontava para três jovens que estavam na pousada ao lado, fazendo perguntas sobre a estadia, e desvendou: “ah, ela quer que a gente chame eles aqui... Ela quer ajuda com o inglês!”. Os três saíram da pousada ao lado e passaram em frente à nossa, com uma cara meio desconfiada e sem a intenção de entrar. Tentei confirmar, ainda na base da mímica, se era isso mesmo que ela queria. A reposta positiva veio com um “tá vendo! Eles estão indo embora!”, através de um tapa nas próprias pernas e um olhar de “e aí?! Vai ajudar ou não?!”, apontando para eles.  

Dei uma risada, abandonei a mesa correndo, e fui atrás deles. Abordei-os com um tímido “good morning!” e expliquei que a dona da pousada queria mostrar o lugar para eles, mas a comunicação seria difícil, pois o filho dela não estava. Enquanto eles me perguntavam o quanto estávamos pagando, o filho dela chegou e assumiu a negociação. Em pouco tempo, eles toparam ficar. Enquanto isso, eu retornei a mesa e voltamos ao café. Não sem antes sermos surpreendidos por um belo cacho de uvas e um largo sorriso de muito obrigado da simpática senhora. Nada precisava ser dito. Tínhamos ganhado uma amiga, que foi gentil e solícita em toda a nossa estadia. O dia estava apenas começando, mas já estava completamente ganho!  

Fomos à praia e nos deliciamos. Finalmente matávamos a saudade de um forte sol e o corpo molhado de água salgada. A “areia” era na verdade composta de pedras arredondadas. O incômodo de andar sobre elas foi retribuído através dos vários minutos que passamos sentados no raso, com a água um pouco acima da cintura, observando as incríveis formas e cores das pedras. Uma obra-prima da natureza. Fizemos uma coleção digna de um arranjo de mesa e ficamos com uma vontade imensa de levá-las. Mas a consciência ambiental falou mais alto e nos contentamos somente com a foto. Consciência essa completamente destoante do restante das pessaos, que transformou a melhor parte dessa praia em um imenso cinzeiro. Não havia como você enquadrar a visão em uma área de um palmo quadrado e não visualizar pelo menos dez guimbas de cigarro... Uma pena. 

Voltamos torrados de sol para a pousada e chapamos no ar condicionado. Estávamos recarregando as baterias... 

Aproveitamos o entardecer para mais um mergulho e para preparamos os aparatos da partida do dia seguinte. No jantar, incluído na diária da pousada, tivemos uma das noites mais agradáveis na Turquia. Na companhia dos três novos hóspedes, os chilenos Kerstin, Loreto e Sergio, ficamos conversando por horas a fio. Contamos nossas aventuras e eles as deles. As cervejas ajudaram a animar o papo, e só paramos realmente por causa do avançar da hora. Um grande abraço para vocês! 

Nosso destino no dia seguinte era a esperada Capadócia e seus balões! Antes, uma parada na cidade de Konya, para quebrar o longo caminho ao meio. O cenário começou a ficar cada vez mais desértico e interessante. 

Chegamos a Konya sem grandes dificuldades, quase no início da noite. Fomos caminhando tranquilamente pelo centro da cidade procurando um hotel. O mais arrumado que achamos estava cobrando um preço absurdo, mais caro que o Hilton! Continuamos na busca e acabamos em um pequeno e simpático hotel. Subimos com as mochilas e tomamos um banho. Coloquei o Spot na janela e olhei para abaixo, a tempo de ver o Pezão envolvido por umas dez pessoas. Olhei com mais calma, a tempo de perceber que eles estavam simplesmente curiosos e fascinados pelo carro e seus adesivos. 

Descemos para tentar achar um jantar e aí, viramos atração! Foi muito engraçado. Todos os comerciantes locais estavam à nossa volta! Os donos do hotel, do restaurante ao lado, seus funcionários, todos vieram falar com a gente. “Falar” não é bem a palavra, pois o inglês deles se limitava a alguns “welcome” e outros “very good”. Através de mímicas, mostrávamos as bandeiras e tentávamos explicar nossa viagem, o que os impressionava demais. Perguntaram sobre bandeira da Turquia, e respondemos que ainda não tínhamos. Um deles saiu correndo. Perguntaram sobre o jantar, e quando “falamos” que a Du não comia carne, outro nos pegou pelo braço e levou-nos até uma espécie de padaria, onde compramos um excelente frango assado. 

Voltamos para o restaurante ao lado do Pezão para iniciar o jantar. Quando chegamos, vimos que eles não só tinham arrumado uma bandeira, como ela já estava colada! Que fantástico!  

Comemos, distribuindo e recebendo sorrisos, e fomos dormir. 

No dia seguinte, levantamos âncora e rumamos, finalmente, para a Capadócia. As estradas continuavam boas e os quilômetros iam passando com rapidez. Nosso destino na região era a cidade de Goreme, muito falada e muito bem indicada. 

Chegamos no meio da tarde, bem a tempo de nos espantarmos com o espetáculo que a natureza proporciona na região. O contorno das montanhas faz você parar para tentar entender como tal formação geológica é possível. Depois, você coloca na categoria “obra da natureza” e simplesmente aprecia.  

Achamos um camping razoavelmente arrumado, com um pessoal bastante atencioso. Montamos acampamento e ficamos ouvindo música, enquanto eu cozinhava o jantar e a Du tirava umas fotos do nascer da lua.  

Antes de dormimos, recebemos a vista dos nossos “vizinhos”, um casal boníssima gente, vindos do Canadá. A Eliana, na verdade, tem origem peruana, mas já mora há diversos anos no país gelado. Ficamos sabendo que eles estão fazendo uma longa viagem também. Dominique, por sua vez, mostrou um imenso talento em fotografia, um dos focos da viagem deles. Conhecê-los fez parte de uma das grandes vantagens de se acampar – encontrar outros viajantes. Compartilhar histórias e experiências é sempre um bom programa.

No dia seguinte, colocamos o despertador para pouco depois das seis da matina. Queríamos ver os famosos balões. Antes mesmo de o despertador tocar, meio sonolento, ouvi os primeiros sons dos maçaricos. A Du também já estava acordada, então abrimos a barraca. Ainda deitados, demos de cara com um imenso cesto, a pouco mais de quinze metros de altura do Pezão! Um balão estava dando um rasante por cima do nosso camping. Saímos apressados da barraca e tivemos a primeira e inesquecível visão dos balões! Dezenas deles! Alguns voando bem alto. Outros, baixo. Muitos ainda sendo inflados. Todas as cores imagináveis faziam do céu um espetáculo à parte.

Pegamos correndo as bicicletas e fomos atrás de um bom local para fotografar. Em menos de cinco minutos, chegamos ao ponto de decolagem de uma imensa quantidade deles. Estávamos realmente dormindo em um local privilegiado! Ficamos caminhando pela área e tirando fotos. O vale que estávamos, chamado de Rose Valley, era de uma beleza impressionante. 

Com o passar dos minutos, mais balões atingiram o céu. Nessa hora, a cena que vimos foi simplesmente fascinante: a perfeita interação entre o homem e a natureza, em uma parceria totalmente harmônica, para criar um espetáculo único. Mais de cinqüenta balões, iluminados pelas primeiras luzes do amanhecer, em um caminhar lento e silencioso ao longo de um vale feito de um marrom suave e de uma característica faixa cor-de-rosa. Estávamos extasiados!

Voltamos para o camping, para preparar o café-da-manhã, ainda meio incrédulos. “Será assim todos os dias?!”. Logo depois, Eliana e Dominique chegaram do passeio de balão. Eles estavam empolgadíssimos, pois tinham pegado um piloto experiente que os levou em um emocionante rasante por dentro dos vales.

A logística da Capadócia é muito parecida com a de San Pedro de Atacama. São diversas atrações em um raio de algumas dezenas de quilômetros. Sendo assim, desmontamos a barraca e fomos rodar com o Pezão. 

A primeira atração que procuramos foi a das cidades subterrâneas – durante gerações, os povos que habitaram a região construíram quilômetros de corredores, salas e quartos subterrâneos. Há dessas casas para visitar em diversos povoados. Seguindo a dica de Eliana e Dominique, buscamos uma cidade bem pequena, Mazi, para conhecer um desses formigueiros humanos. A dica valeu muito à pena, pois realmente conseguimos o que queríamos: fugir dos turistas.  

Na chegada, fomos muito bem recebidos pelo guia. Havia três turistas aguardando, o que era praticamente nada. Depois chegaram mais dois, o que continua classificado como “nada”, e começamos a caminhada.  

O lugar é simplesmente deslumbrante. Nosso guia foi iluminando e descrevendo cada cômodo: cozinha, estábulo, despensa, quarto, sala...  O mais interessante era que a escavação não se limitava a um único plano, assim, a estrutura continuava por diversos andares. Para ir por entre esses pisos, utilizava-se um espantoso túnel vertical com degraus opostos e intercalados. Em certo momento, o túnel tornava-se razoavelmente alto. Os turistas são, então, chamados a decidir se querem subir pela “chaminé” ou sair caminhando por um atalho. Não pestanejamos e ficamos no grupo dos alpinistas.  

Realmente foi bem legal: uma subida de cerca de três metros, meio arreganhados, em um vai e vem lento. Quando achamos que tinha acabado, o guia apareceu com uma corda amarrada em um cinto e perguntou: “quem é o primeiro?”. Havia uma subida de quase dez metros! Um turista canadense um pouco mais gorducho, que ainda bufava da primeira subida, olhou pro novo túnel com uma cara de “sabia que devia ter caído fora quando tive a chance...”. Mas fomos em frente e subimos, um a um. Foi muito bacana, e nosso amigo canadense acabou se saindo bem. 

O local que visitamos era muito grande para ser chamado de “casa” e muito pequeno para “cidade”. Acho que o ideal seria entendê-la como um prédio subterrâneo, um condomínio de alguns poucos andares e onde viveram, conforme nos falou o guia, cerca de dez famílias. 

Após um almoço típico preparado pelo próprio guia, fomos embora com o Pezão. Colocamos a cidade de Urgup no GPS e começamos a andar calmamente pela pequena estrada que cortava um belíssimo vale. Em certo momento, olhei para o lado e vi que uma imensa montanha tinha uma sutil estrada de terra na sua lateral. Virei pra Du, como sempre faço, e falei: “O Pezão cobiçou aquela estrada ali!”. A Du concordou na hora e começamos a tentar chegar nela. Entramos em um vilarejo muito pequeno, com ruas tão estreitas que mal passava o Pezão, e começamos a subir. Mais alguns apertões aqui e ali e achamos a estrada. Era bem íngreme! 

A areia era fina como talco! Por onde o Pezão passava deixava uma nuvem marrom para trás. Em certas subidas, usei a força máxima do carro: primeira marcha reduzida e bloqueio do diferencial central. No seu “devagar e sempre” o Pezão deu um novo show. Chegamos ao topo na montanha e encontramos a recompensa: um imenso terreno plano para rodar, sozinhos, e de onde podíamos ver algumas cidades e diversos vales e montanhas. Ficamos lá por cima durante um bom tempo, tirando fotos e curtindo a paisagem. 

Descemos satisfeitos da vida, ainda a tempo de rodar mais um pouco na região e aproveitar a tarde. Um dos momentos mais engraçados aconteceu quando a Du saiu do carro para fotografar umas mulheres que trabalhavam em uma plantação de batatas. Empolgada com a boa recepção das trabalhadoras, a Du se aventurou a sair da estrada e entrou plantação adentro. Foi um festival! Todas queriam ser fotografadas e ver sua imagem no visor da câmera. A Du tirou dezenas. E elas não se fizeram de “desconectadas”, não! Uma delas sacou um celular com câmera e começou a tirar fotos da Du. Depois desse ensaio fotográfico generalizado, pegamos o caderninho e anotamos os emails, porque elas queriam que a Du enviasse as fotos... A internet é, realmente, fantástica! 

No dia seguinte, madrugamos novamente! Saímos mais uma vez às seis e pouco da matina para fotografar os balões. Dessa vez, tivemos a companhia de Eliana e Dominique. A manhã foi ainda melhor que a do dia anterior, pois havia menos nuvens no céu. Vimos, novamente, cenas de tirar o fôlego. 

Voltamos ao camping e tentamos descansar. Impossível! O frio durante a noite na barraca dá lugar, após pintar no cenário o Astro Rei, a um calor insuportável! 

Programamos um evento noturno com nossos vizinhos e fomos dar uma nova volta com o Pezão. Abastecemos, fomos ao supermercado (onde o gerente me olhou com cara feia quando perguntei: “onde fica a cerveja?!”), e tiramos mais fotos nas redondezas.  

Na volta, fomos com Dominique e Eliana ao Museu a Céu Aberto de Goreme. O lugar fica localizado na saída de Goreme, enterrado embaixo de uma massa colossal de turistas. Entre um japonês e outro pudemos ver antigas e impressionantes igrejas católicas esculpidas na pedra. Dominique, que tinha levado todo o seu aparato fotográfico, ficou desolado com a romaria. A Du levou mais na esportiva. 

Terminamos o dia com um animado churrasco improvisado entre o Pezão e a barraca dos vizinhos. Rimos, tomamos cervejas (achadas posteriormente!) e rimos mais ainda. Valeu Eliana e Dominique! Boa sorte na viagem! 

A manhã seguinte não seria ainda reservada para muito sono. Acordamos pouco depois das cinco horas para andarmos de balão. Estávamos animadíssimos, pois não havia quase nenhuma nuvem no céu. Ainda era noite quando a van que nos levaria ao balão chegou ao portão do camping.
O começo da viagem de balão é muito animado, com fogueiras brilhando e cafés sendo servidos pelo pessoal da organização. O sol ainda não tinha raiado quando nosso balão começou a subir. 

O passeio foi muito bonito mas, para mim, um pouco frustrante. Pegamos um piloto com pouca experiência e passamos todo o percurso na segurança da alta altitude. A mais de dois mil pés de altura, observávamos de cima os demais balões passando emocionantemente por entre as rochas esculpidas pelo vento. Cheguei a tentar pedir ao piloto que baixasse um pouco a altitude, mas ele se enfezou. Conformei-me e curti a paisagem, que era impressionante. A Du também não deu muita sorte e ficou se engalfinhando com uma francesinha mal educada que achou que tinha uma espécie de reserva no espaço que ela estava na cesta. Antes estivéssemos com alguns japoneses boa gente conosco... 

Mas o saldo foi positivo e as fotos e filmagens ficaram bem legais. 

Saímos da Capadócia logo após o balão, extremamente realizados. Certamente, em poucos lugares do mundo há a oportunidade de ver e vivenciar tantas experiências. 

Nosso destino era uma incógnita, a Síria. Antes, viajamos até uma cidade bem próxima da fronteira, chamada Iskenderum. Estávamos realmente precisando descansar, pois os dias na Capadócia foram intensos e madrugadores. Procuramos um hotel um pouco melhor, e acabamos um pouco afastados do centro da cidade. Achamos um hotel bem legal, com piscina e internet. 

Lá, almoçamos com um simpático e jovem turco, que nos abordou no centro de Iskenderum falando um bom português. Ficamos sabendo que ele tinha feito intercâmbio no Brasil e conhecia bons lugares do Nordeste, e mesmo o Rio de Janeiro. Forte abraço, Armagan! Boa sorte na faculdade de Engenharia! 

Ficamos por duas noites no bem-bom recompondo as forças. Saímos depois em direção à Síria. 

Estávamos ansiosos e um pouco apreensivos por entrar no famoso Oriente Médio. Sabíamos que a má fama do local de ser inseguro era mais fruto de eventos esporádicos explorados pela mídia do que pelo cotidiano, mas o frio na barriga era inevitável. 

Chegamos à fronteira na hora do almoço, e não tivemos dificuldades na saída da Turquia.  

A Turquia foi inigualável. O primeiro contato com a cultura islâmica e com os turcos nos deu uma excelente impressão. Estar em uma terra tão antigamente povoada é uma experiência única, principalmente quando os panos de fundo são as piscinas de Pamukkale e às montanhas da Capadócia. 

À frente, logo após a passagem do lado turco da fronteira, uma imponente bandeira da Síria, extremamente parecida com a do Iraque, dava o tom das nossas emoções. 

Estávamos entrando no Oriente Médio!