Europa
República Tcheca
O clima de despedida na República Tcheca
A viagem de trem de Berlim para Praga foi um barato. Boa paisagem, apesar do clima chuvoso, e algum tempo para um cochilo.
Vez por outra um bando de moleques abria a cabine procurando lugar para sentar. Estava claro que rolavam lugares marcados, como os nossos, ou livres. Eu e a Du fomos em direção ao vagão restaurante para descolarmos o almoço. Na verdade, a idéia de pegarmos a comida no vagão restaurante não foi, assim, tão boa. Atravessamos alguns bons vagões do trem, muitos cheios, com vários passageiros e suas respectivas bagagens no corredor, e demoramos um bocado pra voltar. Na volta, as Jararacas estavam ouriçadas! O bando de moleques voltou lá e, quando viu espaço sobrando, resolveu que iria entrar. Aí as Jararacas armaram o bote, gritaram e enfiaram o pé na porta, até que a rapaziada desistiu.
Relaxamos após o almoço (na verdade, alguns sanduíches) e esperamos a chegada à Praga.
Já próximos da hora de sair, nos deparamos com certa dificuldade com as malas. O espaço entre o trem e a plataforma era considerável, então seria um pouco difícil para elas descerem do trem sozinhas com suas bagagens. Combinamos que eu faria duas viagens. Colocamos algumas malas perto da porta de saída e acertamos que a Sandra me esperaria na cabine com o restante. O trem parou, a porta abriu. Ótimo! Saímos eu, minha mãe e a Du com boa parte das malas. Mas, na hora de voltar pra dentro do trem... Quem disse que eu conseguia entrar no maldito?! Uma fila indiana interminável de passageiros, e seus singelos pertences, barrava completamente a pequena porta. Pra piorar, alguns tchecos sem paciência estavam na beira da porta loucos para entrar o mais rápido possível, provavelmente com o objetivo de pegar logo os melhores lugares nas cabines. Tentei falar com eles em inglês e dizer que eu gostaria de entrar na frente porque iria, na verdade, sair novamente, mas um barbudo me olhou enviesado.
E tome sair gente com mala! “A Sandra deve estar apavorada!”, pensei. Saiu a última pessoa e fiz questão de deixar o maluco barbudo e sua mulher irem na frente. Um avanço ali poderia fazer-me perder ainda mais tempo em uma discussão no estilo “Torre de Babel”, pois o marrento não entendia uma única palavra em inglês. Cheguei à cabine e a Sandra estava com os olhos esbugalhados! “Vambora!!”. Pegamos as últimas bagagens e começamos a nova tarefa: como agora sair do trem, com todos os primos e primas do barbudo querendo entrar?! O corredor estava entupido, então a Jararaca saiu bravamente abrindo espaços. Poucos segundos depois, estávamos fora. Minha mãe e a Du tinham olhos igualmente esbugalhados. Elas contaram que a pior hora foi quando a porta do trem fechou-se com a gente ainda dentro. A Du correu e apertou um botão vermelho que fez a porta se abrir. Mais um pouco e iria rolar um passeio a mais para mim e para Sandra no interior da República Tcheca!
Saímos da área de trens para o meio da estação. Nós já tínhamos visto que o hotel ficava bem próximo, mas a quantidade de bagagem nos fez tentar, assim mesmo, pegar um táxi. Achamos o ponto e os semblantes mais mal encarados até agora! Os taxistas pareciam ex-agentes da KGB. Perguntei o preço a um deles e ele rosnou que eram seiscentas coroas. Pelas minhas contas, seriam mais de trinta Euros. “Não é possível! É aqui do lado...”. A Du ouviu um deles embarcar outro casal de brasileiros dizendo que, em euros, daria menos de sete. Como é possível? Como ele se negou a receber em Euros, vi que tinha mutreta na história.
Fui a uma casa de câmbio, onde encontrei um grupo de cariocas também recém-chegados, e confirmei: seiscentas Coroas davam quase trinta e cinco Euros. Os taxistas estavam mentindo o valor do câmbio para os desavisados que chegavam. Dei um pulo no lado de fora da estação e me informei melhor onde seria o nosso hotel: ficava, sem exagero, a uma quadra e meia da estação!
Voltei, literalmente correndo, pra junto da mulherada, que estava sozinha com os “taxinistros” e, indignados com a má-fé deles, decidimos partir a pé mesmo. Quando iniciávamos o levante das bagagens, apareceu o grupo de cariocas. Eles estavam indo para o mesmo hotel que a gente! Após a oferta, aceita na hora, de uma boa ajuda com a bagagem, partimos para a caminhada. Antes, uma olhada bem enfezada, no estilo CIA, ou melhor, capitão Nascimento!, pros ex-KGB...
Caminhamos rapidamente pelas calçadas, parando somente para passar mais algumas malas pra prestativa rapaziada, e chegamos ao hotel.
A chegada ao hotel foi triunfal! Era o melhor hotel da viagem, e as Jararacas se divertiram com a boa arrumação do lugar. O melhor momento foi logo na entrada do quarto, com a cena da minha mãe fazendo piada abraçada com a televisão que tinha o texto “Welcome Lia Oliveira” na tela. A Sandra quase teve um treco de tanto rir e, se a porta do banheiro demorasse um pouco mais para abrir, o pior poderia acontecer!
Tínhamos dois dias inteiros pra conhecer a cidade com as Jararacas. Eu e a Du aproveitamos e estendemos por mais três dias a estadia por lá.
A cidade de Praga é simplesmente fascinante. A arquitetura, as luzes, os bares e os restaurantes, tudo muito convidativo. Apesar de não termos dado muita sorte com o tempo, conseguimos aproveitar muito.
No primeiro dia, andamos um bocado. Passamos pela impressionante ponte Karluvmost e pegamos um funiculaire para subirmos em um parque, às margens do Rio Vltava, e ver a cidade do alto. As Jararacas pararam em simplesmente todas as lojas de suvenires de Praga. Ao entardecer, voltamos para o hotel e, sem forças pra sair à noite, jantamos por lá mesmo.
No segundo dia fomos direto para a principal praça da cidade, cujo nome, assim como outros, não vale à pena trazer pro texto. Como dissemos em um dos vídeos, era uma “prassóvsky” qualquer.
Então, nessa “prassóvsky”, nos divertimos muito com os cavaleiros das tristes figuras locais. Apelidados por nós de “ventanias” (era como se um forte vento fizesse-os cambalear adoidado, pois o equilíbrio já tinha ido goela abaixo), esses malucos entretinham mais o povo do que as reais atrações do lugar. O primeiro, que fazia da dança a sua arte, dava singular ritmo à música tocada por um excelente grupo que se apresentava tocando bateria, baixo e alguns metais. O segundo, uma espécie de general reformado, dava imponentes ordens para todo um grupo que comemorava um casamento. Armado de um apito ensurdecedor, esse “ventania” fardado arrancava gargalhadas à sua volta tentando impor suas ordens que eram, obviamente, ignoradas. As Jararacas arriscaram e foram posar para uma foto com o “Marechal”. A Sandra fez que ia desistir e levou um belo apitaço na orelha, seguido de uma ordem de “junto!”. No meio da pose, não é que o maluco agarrou a Sandra pelo pescoço e quase lhe sacou um beijo?! Foi muito engraçado! Sorte que eu e a Du registramos bem o fraterno momento entre a Sandra e o seu namorado tcheco, senão ninguém ia acreditar! Logo depois, enquanto nos abrigávamos da chuva, topamos com mais um. Esse, que ficava apontando para um velho jornal, estava completamente fora de si. Realmente, esses coitados eram mais comuns do que o esperado. Seqüelas dos anos sob a Cortina de Ferro.
No meio dessa bagunça tivemos a sorte de encontrar uma portuguesa muito boa gente, chamada Vera. Ela estava em Praga em função de um congresso de psicologia e aproveitava para conhecer a cidade, mesmo sozinha. Aproveitamos para caminhar com ela e conhecermos juntos o famoso castelo local.
Nessa última noite, pra despedida da Jararacas’ Trip, fizemos um jantar em alto estilo. Fomos a um restaurante fantástico, chamado Buddha Bar. Comemos do bom e do melhor e fechamos essa etapa da viagem de maneira estupenda.
No dia seguinte, o clima era de despedida. Acordamos com calma e almoçamos nas redondezas do hotel. As Jararacas fecharam as malas e esperaram pelo transporte para o aeroporto. A despedida foi alegre e triste ao mesmo tempo. Tudo tinha corrido muito bem e estávamos muito realizados, mas, infelizmente, era hora de uma nova despedida.
Deixamos a dupla na pequena van e demos adeus. Foi com o coração apertado que passamos a tarde no hotel, ouvindo a chuva do lado de fora. No dia seguinte, chegamos ao café-da-manhã e faltava algo. Já estávamos acostumados a encontrá-las conversando e animando o início de dia. A saudade doía mais do que na nossa saída do Rio de janeiro...
Mas... era hora de programarmos as próximas etapas da viagem. O Pezão já estava na Holanda e ainda queríamos ver um pouco mais de Praga. A boa notícia, de que elas chegaram bem ao Brasil, nos deu ânimo para continuar a aventura.
Aproveitamos os dias seguintes para dar mais algumas voltas e conhecer uma cidade ao norte de Praga, chamada Terezin. Essa cidade, que abrigou, durante a Segunda Guerra Mundial, um Campo de Concentração Nazista, foi inteiramente transformada em museu. Não há praticamente habitantes nela, somente aqueles envolvidos com a conservação do museu e recepção dos turistas. De Terezin, as pessoas eram levadas aos campos de extermínio, principalmente o localizado em Auschwitz, na Polônia. É realmente entristecedor ouvir as histórias do Holocausto, mas, ao mesmo tempo, é importante manter viva sua história e assim ajudar a evitar a sua repetição.
Era uma quarta-feira quando chegamos ao aeroporto de Praga. Nosso destino era novamente a Holanda. O Pezão chegara em Rotterdam e todo o processo de liberação na alfândega estava caminhando rápido. Estávamos muito ansiosos em revê-lo e em começar os preparativos para cruzar a Europa em direção ao Oriente Médio e, depois, África!
A visita na República Tcheca foi muito boa. Praga é impressionantemente bonita e o pessoal, tirando os “taxinistros”, muito gentil.
Lá vamos nós, em direção ao reencontro com o Pezão!