Ásia

Laos

O Laos e a cidade dos monges

Chegamos a Luang Prabang em um domingo. O aeroporto era pequeno e bem arrumado. Em pouco mais de vinte minutos o táxi nos deixava na porta do hotel. Ficamos muito bem instalados, à beira do rio Khan. 

Assim que chegamos saímos para dar uma volta. A pequena cidade é fascinante. Suas ruas muito calmas que correm por entre diversos templos budistas fazem entender porque ela é considerada patrimônio da humanidade. (Aliás, a cidade anterior, Siem Reap, do Camboja, também era. Estou escrevendo esse diário em Colonia del Sacramento, no Uruguai, que também é patrimônio... Acho que vamos tentar eleger o Pezão também pra Patrimônio da Humanidade!) Tínhamos em mente a idéia de alugar um carro e correr por outras cidades vizinhas. Porém, ficou  claro para nós que esse circuito não compensaria tanto quanto passar esses dias na própria cidade. A cidade era um convite ao relaxamento e à contemplação, e não queríamos ir contra isso. 

Os primeiros dias foram de passeio pela rua principal, com muitas fotos e boa comida. Os templos e seus monges garantem o clima espiritual e justificam a estrutura turística local, enquanto a cor alaranjada nos transporta para uma espécie de filme. A parte triste ficou por conta dos céus: inúmeras queimadas, causadas pelos plantadores de arroz, emitiam uma fumaça tão densa que simplesmente não de podia ver o céu. Durante a maior parte dos dias da nossa estadia, o céu cinzento foi nosso teto. 

Porém, não somente de monges e templos vive Luang Prabang. Em um dia no qual buscamos um pouco mais de movimento, alugamos umas scooters e decidimos ir à cachoeira Kuang Si, cerca de trinta quilômetros ao sul. 

O estado precário das scooters deixou claro que emoção não faltaria. Mas o mais interessante era o fato de que se aproximava o ano novo de calendário deles, e isso trouxe um antigo ritual de jogar água nas pessoas, o que traria, supostamente, boa sorte. Já na saída da cidade tomamos o nosso primeiro banho! 

O problema foi que não se tratava simplesmente de atirar um pouco de água, como uma benção ou algo assim. Crianças e adolescente reuniam-se em grandes grupos “armados” de mangueiras e baldes, gerando um imensa guerra de água. Ao avistar a primeira barreira na estrada, com diversas crianças totalmente molhadas, vimos que nossa sorte estava lançada. O primeiro banho foi o pior. Eu e a Du tomamos um balde inteiro, bem de frente! Estávamos ensopados. Passamos rápido por mais alguns pequenos guerreiros aquáticos e paramos para esperar Alex e Dani. Eles tinham tido a mesma sorte e também estavam molhados dos pés à cabeça. Por sorte o calor era grande, então podíamos rir mais facilmente da brincadeira. 

Chegamos à cachoeira e ficamos deslumbrados. Era um lugar realmente especial. E a quantidade de turistas deixava claro que era uma das grandes atrações da região. Para mim a diversão do dia foi uma corda amarrada em um tronco, funcionando como uma espécie de cipó. 

Voltamos animados e leves. E ainda mais molhados. 

Pegamos novamente as scooters no dia seguinte e fomos à outra atração das redondezas, só que dessa vez ao norte: a caverna Pak Ou. O caminho foi menos molhado, mas mais tortuoso – as caronas já não agüentavam mais tanto sacolejo. Mas também foi muito mais interessante do que a rota do dia anterior. Como o caminho era menos turístico, pudemos ter um pouco mais de contato com a dura realidade do país. 

Chegamos a um minúsculo povoado, de onde pegamos uma canoa motorizada para atravessar o rio Mekong e chegar à caverna. Pak Ou é mais interessante pela intervenção humana do que por seus aspectos naturais. Isso porque a pequena caverna foi transformada em um lugar sagrado e em uma espécie de templo, então a atração principal fica realmente por conta da imensa quantidade de estátuas de Buda. Sua imagem aparece em todas as formas, tamanhos e estados de conservação. 

Voltamos para nossas motocas e aguentamos as pancadas na coluna por duas horas mais. Já de volta à cidade, voltamos a relaxar e a andar calmamente pelas ruas, nos preparando para um esperado programa do dia seguinte: um passeio com elefantes.

A empresa de turismo nos buscou cedo no hotel, e ainda no fim da manhã estávamos em uma fazenda de criação de elefantes. Foi um contato fenomenal. Primeiro, perceber que os animais eram muito bem tratados e que, apesar de trabalharem com turistas, não pareciam nem um pouco estressados ou estafados. Fomos apresentados um a um, por seus nomes. Ficamos sabendo que eram todas fêmeas, o que garantia um pouco mais de docilidade ao ambiente. Saímos para o primeiro passeio. 

Sentados em dupla nas “celas” de madeira, começamos a descer em direção ao rio. Uma trilha estreita e razoavelmente íngreme deu o tom mais emocionante do “offroad”. Divertimo-nos, fotografamos e filmamos. Valeu inclusive a primeira “pilotada” nos pescoços. É quando você tem a real dimensão do tamanho do animal. 

Voltamos à base e aproveitamos o excelente almoço. 

Depois foi a hora da aula de direção. O passeio anterior tinha sido somente um test drive. Depois de aprender os comandos básicos, fomos um a um tentar comandar uma das mais tranquilas fêmeas pelo pátio. Foi muito legal. 

Como todos passaram na prova, era hora de pilotarmos de verdade. Cada um no seu elefante, montados no pescoço, sem sela, e dirigindo por conta própria. É certo que cada um tinha também o tratador do animal nas costas, mas o controle estava com a gente. Não era bem isso... Na verdade os elefantes iam onde queriam. Seguiam em fila, mas só porque estavam acostumados. Vez por outra uma parava para fazer uma boquinha em um arbusto ou árvore. E nada a fazia desistir. As risadas eram garantidas. 

Após passarmos pela mesma trilha inclinada, para desespero da Du, chegamos novamente ao rio. Só que dessa vez fomos na outra direção, para uma parte mais funda, para darmos banho nas madames. Foi uma farra! Trombadas de água pro ar e muitos mergulhos. A maioria sentou no leito do rio, ficando somente com a cabeça de fora. Alguns, como a da Dani, deitaram no fundo e mergulharam a cabeça na água. Fantástico! Foi a vez da caixa estanque fazer valer e nos ajudar a registrar o evento. 

A parte mais, digamos, tensa foi quando as bichanas resolveram que era a hora de ir ao banheiro mandar o número dois. Há de se compreender que o local era convidativo. O problema foi quando as obras de arte do tamanho de bolas de futebol começaram a emergir e a passear por entre todos. Foi um empurra-empurra fenomenal pra evitar as minas aquáticas! 

Depois do banho, descemos na própria margem e fomos resgatados de barco. Eram pouco antes das três da tarde e as atrizes do espetáculo já caminhavam lentamente para o outro lado do rio, para casa. 

Voltamos para a fazenda e curtimos uma piscina e a boa sensação que tínhamos por dentro. Como foi bom interagir de uma forma tão saudável com aqueles animais imensos e dóceis. E como foi bom perceber que eles eram muito bem tratados e que, certamente, tinham a sorte de possuir uma excelente relação com os humanos. Aquele era um lugar privilegiado. Tivemos um dia privilegiado. 

De volta à cidade, os elefantes eram nosso assunto. Não precisávamos de mais nada. 

Em uma manhã, Du e Dani combinaram de acordar bem cedo, antes de o sol nascer, para ver o famoso ritual matinal diário dos monges – todos eles caminham pela cidade carregando à tiracolo um pote onde recebem oferendas de alimentos. São os alimentos que eles consomem durante o dia. 

Como não consegui voltar a dormir após acordar junto com a Du, resolvi também sair e procurá-las. Não achei, mas consegui também ver uma das filas de monges recebendo as oferendas. Ajoelhadas na calçada, os ofertantes colocam um pequeno punhado, basicamente de arroz, em cada pote. Os sinos e os cânticos, junto com o ar fresco da manhã, dão o tom espiritual do início de dia. 

Procurei-as um pouco, sem sucesso, e voltei ao hotel. Encontrei-as na mesa do café-da-manhã, bem a tempo de ouvir e dar gargalhada com a história delas. 

Animadas com a procissão e empolgadas com a possibilidade de participar da cerimônia com as oferendas “gentilmente” cedidas por duas senhorinhas, elas não pestanejaram em sentar na calçada e derrubar montes de arroz nos potes dos monges. Totalmente alheias às demais ofertantes, que colocavam pequenos punhados nos potes, as duas enchiam a mão para tentar fazer a alegria do pessoal de abóbora. Obviamente, as oferendas delas acabavam rápido, mas não menos rapidamente apareciam novamente as senhorinhas com mais pratos de comida e mais sorrisos nos lábios. “Oba!”, gritavam as duas! E tome arroz pra dentro dos potes. Mais uma vez elas acabaram com os pratos rapidamente, e mais uma vez lá estavam as fornecedoras para manter o estoque elevado. 

Certo momento a Du viu um turista recusar um dos pratos de oferenda da sua senhorinha e começou a ficar meio desconfiada. 

Acabou a procissão e a Du e Dani levantaram, mas bentas do que nunca! Quando iam agradecer as oferendas, desespero. Tudo estava, obviamente!, à venda! As senhorinhas começaram a praguejar na língua local (obviamente o inglês passava longe) e a apontar para as bandejas vazias, computando o que seria a venda delas. O problema é que as nossas duas brasileiras, desavisadas, não tinham levado muito dinheiro. A Du tinha levado somente um qualquer para tomar um suco se desse fome. Quando a Du mostrou o que tinha, as duas coroas pularam nas tamancas! Aí, o que restou a fazer foi sair de fininho e torcer para que não fossem perseguidas. Depois foi curtir o resto da procissão com um olho nos monges e outro na rua. Qualquer sinal de uma ou duas velhinhas correndo com vassouras na mão, era pra debandar! 

Rimos muito com essa história no café-da-manhã. Ficamos com um pouco de pena das senhoras, mas não muita, porque elas tinham que ter avisado mais claramente que estavam vendendo as oferendas e o quanto queriam em cada uma. Mas valeu muito pelas risadas. 

Demos mais uma ida na cachoeira. Dessa vez fomos de transporte: na verdade era uma pickup com bancos na caçamba. Ou seja, era aberta. Resultado: nos molharam por completo. Durante a ida ainda foi certa farra. Mas na volta, com frio, já não estava tão engraçado. Perdemos um pouco a esportiva. Mas voltamos a rir com a ajuda de Alex, que perdeu a esportiva por completo e começou a reclamar e se enfezar. A cada banho ele se enfezava mais, até que praguejou quando falamos que era assim mesmo, que era um ritual de ano novo: “Ah! Vou instituir um ritual de ano novo também! Tacar pedra! Quero ver gostarem!”. Pronto! Rimos adoidado! 

Aproveitamos os demais dias para comer bem e relaxar, sempre de olho nas senhorinhas e nas possíveis vassouradas. 

Mais espiritualizados do que nunca, voltamos ao pequeno aeroporto para um curto voo. Era hora de conhecer o nosso 46º país. Vamos à Tailândia. Vamos à praia!