América Central

Belize

Belize abaixo da linha do horizonte

Confesso que em poucos países fiquei tão ansioso, nos primeiros quilômetros, quanto em Belize. Realmente a expectativa em relação aos mergulhos estava bem grande e queríamos encontrar a água o mais rápido possível.

De uma maneira geral, Belize nos passou a impressão de que a assunção tardia do controle da nação – a alforria do império britânico veio, por completo, somente no final do século passado – deixou grandes seqüelas em seu desenvolvimento. Sua pequena população terá que correr atrás do tempo para recuperar os anos perdidos e, enfim, diminuir o distanciamento dos países vizinhos. Para isso, os belizenhos podem certamente contar com um presente da natureza: o mar! Banhada pelo Caribe, e protegida pela segunda maior barreira de corais do mundo, a costa de Belize é um ativo fenomenal. E foi dessa forma, mergulhados em um incrível cenário azul turquesa, que passamos a maior parte da nossa estadia.

O país é bem pequeno, menor do que a maioria dos estados brasileiros, e o tempo gasto em estradas foi mínimo. Precisamos de somente dois dias para ir da fronteira com a Guatemala para Belize City e da mesma cidade até a fronteira com o México. Todos os demais dias passamos em Caye Caulker, uma das ilhas do país.

O caminho para Belize City foi muito tranquilo: terras planas e quentes e uma estrada muito vazia. Alguns Land Rovers cruzando nosso caminho lembravam-nos que estávamos em uma ex-colônia britânica. Paramos para almoçar em Belmopan, a atual capital. O desvio da rota era muito pequeno, então valia à pena passar por essa capital que, como já tínhamos visto nas pesquisas, era menor do que um bairro do Rio. Realmente era de impressionar: apenas algumas poucas ruas e quase nenhuma estrutura. Foi com certa dificuldade que achamos um lugar para almoçar. Já era meio da tarde, então não demoramos em voltar para a estrada.

Seguimos a passos calmos até Belize City. Na chegada, nos assustamos de verdade... É difícil descrever Belize City, de tão simples. Na verdade, não pelo fato isolado de ser uma cidade com aspecto pobre – vimos outras tantas na América Latina –, mas por ser a principal cidade, e antiga capital, de um país. No trajeto da entrada da cidade até o hotel, não vimos um prédio sequer com mais do que poucos andares. Ruas estreitas, carros velhos e fachadas em ruínas passavam a impressão de total desordem e insegurança. Em ressonância com o que estava escrito no nosso guia, pensamos: “o que diabos estamos fazendo aqui?!”. Mantivemos a calma e organizamos os passos: achar um hotel com estacionamento, passar a noite, negociar a estadia do Pezão nesse mesmo estacionamento e pegar um barco para bem longe!

E assim foi feito. Achamos um hotel melhor apessoado e combinamos ficar por lá na primeira noite e também na volta de Caye Caulker. O estacionamento ficava fechado e passava tranqüilidade. Conforme conselho do pessoal do hotel, à noite não colocamos o nariz pra fora.

No dia seguinte, partimos cedo para a tão esperada Caye Caulker! O trajeto por mar foi feito em uma das várias empresas locais e demorou menos de uma hora. A sensação de deixar o Pezão naquela “terra de ninguém” não era boa, e a rasteira que tomei do taxista, que simplesmente se negou a me dar o troco da corrida, só aumentou a preocupação. O pessoal da alfândega da fronteira também nos assustou um bocado, descrevendo alguns casos de veículos importados temporariamente, como o nosso, e roubados. Disseram que isso poderia nos criar problemas para sair do país, então nos sugeriram deixar o carro na alfândega de Belize City. Na verdade, quando falamos que iríamos para Caye Caulker, o primeiro conselho foi procurar um estacionamento seguro. Porém, depois da vistoria, eles disseram que o carro deveria ficar na alfândega de Belize City. Achei até bom no início, pois estávamos preocupados com esse assunto e a custódia do governo poderia vir bem a calhar. O problema é que depois a oficial da alfândega veio com um papo de que deveríamos deixar a chave com eles, para o caso de uma “emergência”. Achei meio estranho e perguntei se era um conselho ou uma obrigação.  A oficial enrolou-se e não respondeu. Era a lei, mas ao mesmo tempo não era a lei. Pensei: “nem à porrada deixo o Pezão e a chave com esses loucos!”. A nossa sorte é que o hotel e seu estacionamento eram um pouco melhores, mas continuamos preocupados.

O barco seguiu por águas marrons até a metade do caminho. Depois, um verde esmeralda esplêndido começou a dar bons sinais. Chegamos enfim a Caye Caulker! Que lugar fantástico! Lembrou-nos muito Los Roques, na Venezuela, que conhecemos alguns anos atrás. Ruas de areia com inúmeros bares, restaurantes, pousadas, pequenos mercados e operadoras de mergulho. Tudo muito animador! Tratamos de arrumar logo uma pousada e partir pra água. Só um mergulho já seria suficiente! O calor era impressionante. Achamos a pousada, nos instalamos e começamos a caminhar. Vimos que alguns passeios de barco levavam turistas para fazer apnéia no grande coral. Esses passeios ocorriam de manhã e à tarde e, como eram ainda onze da manhã, decidimos dar um mergulho, para tirar o suor da carregada das mochilas, almoçar e fazer o passeio da tarde.

Demos um excelente mergulho no Split, uma incrível faixa de água que foi criada por um furacão alguns anos atrás (a força dos ventos simplesmente separou a esguia ilha em duas) e, depois do almoço, partimos com os equipamentos de mergulho e foto sub para um pequeno barco. A primeira apnéia, somente a cinco minutos de distância, já mostrou o potencial dos recifes de coral. As águas eram claras e transparentes, e os primeiros minutos com a máquina sub já haviam rendido boas fotos da Du. A quantidade de vida no mar decepcionou um pouco, mas estávamos só começando. Voltamos a navegar e, em poucos minutos, paramos novamente para o próximo “evento”. Um dos tripulantes começou a jogar no mar pedaços de peixe. Lembrei de outras vezes que vi esse tipo de chamariz e me animei com a quantidade de peixes que certamente iríamos ver dessa vez. Subitamente, vi o primeiro da fila do bandejão... Na verdade, a primeira: uma raia imensa! Olhei para baixo correndo e vi dezenas delas! Brigando por um espaço embaixo do barco, elas criavam um verdadeiro tumulto. Não pensei duas vezes e pulei na água. Peguei a câmera e comecei a tentar registrar a cena. O desprendimento dessas raias com os mergulhadores era simplesmente fascinante! Ficarmos parados, e sentir a passagem delas esbarrando em nossos pés, já foi uma experiência ímpar! Agora, podermos segurar uma nos braços não teve preço! Passamos os dois por essa inesquecível experiência. O responsável pelo nosso barco nos disse que essa alimentação é feita há dez anos. Dá pra concluir que, para algumas delas, esse tempo é maior que sua própria existência e seu o mundo é assim: sustento oferecido pelos humanos. Passou pela nossa cabeça o possível dano que isso possa causar nos animais, tendo em vista que eles são, na verdade, caçadores. Porém, lembrando de outros maus tratos que são feitos a animais, não nos pareceu um desenvolvimento tão insustentável assim.

Fizemos mais uma apnéia, ainda extasiados pela brincadeira com as raias, e fomos dormir cansados e felizes da vida. O dia seguinte nos aguardava com o primeiro mergulho autônomo.

Acordamos realmente cedo – encontro às seis da manhã na operadora de mergulho – e partimos em direção à ilha Turneffe, a sudeste de Caye Caulker. A distância é grande, e o trajeto, demorado. Foram quase duas horas de veloz navegação. No meio do caminho, o azul! A água tornou-se, finalmente, azul turquesa: a cobiçada água dos mergulhadores! O sorriso foi imediato. Iniciamos o primeiro dos três mergulhos pouco depois das oito da manhã. A temperatura da água era extremamente agradável. Já dentro dela, esperando os demais mergulhadores, ficamos extasiados olhando o fundo do mar, nítido, a mais de vinte metros de distância.

O primeiro mergulho, assim como os outros dois, fez valer cada centímetro que percorremos, em mar ou em terra, para estar ali. Quebramos um bocado a cabeça para fazer as fotos sub, bem mais difíceis que as em terra, mas os resultados desta primeira rodada foram bem legais. Chegamos ao entardecer e simplesmente desabamos, felizes e queimados de sol.

Separamos o dia seguinte, um domingo, para descansar e fazer o diário da Guatemala, um dos mais legais até agora.  A pausa veio bem a calhar, pois o tempo amanheceu muito ruim. Ventos extremamente fortes e muita chuva. Ficamos com receio de sermos atingidos por um furacão, até porque vimos a notícia de que a temporada deles estava começando. Ficamos sabendo depois que a tempestade Agatha tinha arrasado a Guatemala e que Belize esteve em risco! Caye Caulker é muito bonita, mas sua fragilidade frente à força de um furacão assusta. Principalmente quando você vê o Split e seu cais de cimento tombado na água.

O domingo passou depressa e, no final da tarde, fomos à operadora de mergulho confirmar que, no dia seguinte, aconteceria a esperada saída para o Blue Hole – um dos cenários marítimos mais impressionantes que já tínhamos visto na internet! Vale uma pesquisada na rede para ver uma foto aérea. Simplesmente inacreditável!

Saímos mais cedo ainda, as cinco e pouco, para a operadora de mergulho. O trajeto de barco demorou novamente um par de horas. O tempo dessa vez não ajudou: a tempestade ainda não tinha passado por completo, e em seu final deixou uma pequena chuva na hora da chegada ao Blue Hole. Era um mergulho profundo, pouco mais de quarenta metros, e uma mistura de narcose e ansiedade fez a Du precisar voltar um pouco antes. Ainda preocupado com a Du, consegui registrar muito pouco as incríveis estalactites da parede do buraco. Ficaram faltando os tubarões que têm a fama de aparecer por lá. Confesso que esse mergulho acabou não atendendo as imensas expectativas que criamos.

Ao contrário do primeiro mergulho, o segundo e o terceiro foram surpreendentes! Muita vida e uma água incrivelmente clara. O sol ajudou e resolveu aparecer. Destaque para o último, chamado de Aquário. São de lá as fotos rodeadas de peixes “sargento”. Voltamos para Caye Caulker e saímos para comemorar. Belize estava sendo muito divertida.

Ainda sobrou tempo para um dia inteiro no cais em frente à pousada e para mais um mergulho no dia seguinte. Esse seria mais perto, na reserva marinha de Hol Chan. A Du não pode ir, pois começou a sentir uma otite das boas. Mais uma vez, as águas eram muito claras. O destaque ficou para uma tartaruga, de razoável porte, que nadou por mais de cinco minutos com o grupo.

Voltamos no final da tarde para Belize City. Totalmente queimados e felizes. Chegamos ao hotel e ficamos aliviados ao extremo ao ver o Pezão são e salvo. Dormimos cedo para partirmos, no dia seguinte, para mais uma fronteira. Estávamos nos despedindo da América Central.

A saída de Belize City, assim como todo o trajeto até a fronteira, foi bem tranquilo. Belize foi quase o que esperávamos. Atendeu nossas expectativas em relação à sua fabulosa costa, mas nos surpreendeu em subdesenvolvimento. Esperamos que o seu futuro seja mais promissor. Tínhamos, pela frente, o México. Sabíamos que os dias de pouca estrada estavam acabando, mas também tínhamos a certeza de que seu vasto território nos aguardava com inúmeras atrações. E estávamos prontos para elas!