América Central
Costa Rica
Na rota dos vulcões da Costa Rica
Entramos na Costa Rica muito leves. Estávamos felizes da vida pelos bons dias que passamos no Panamá. Pela primeira vez, percebemos na pele a diferença entre ser turista e viajante. Após mais de cem dias na estrada, a mudança na rotina fez-se perceber e o nosso dia-a-dia transformara-se completamente: Pezão, estrada, hotéis; Novas camas, diferentes banheiros; Novos climas, outras pessoas. E assim vamos. Na prática é algo bem interessante. A viagem torna-se atípica, diferentes das que normalmente acontecem, de quinze, vinte ou trinta dias. É algo mais interativo. Você aprende a lidar com as situações e se comunicar de forma diferente. Cada inusitado local ou paisagem que passamos é por nós vivenciado e registrado como parte de um grande projeto, parte de algo maior. Não se trata mais de viajar somente para curtir ou conhecer um lugar diferente. Trata-se de realmente passear pela Terra, com seus cenários e habitantes. Após quase quatro meses percorrendo mais de dez países, percebemos que é realmente possível conhecer uma parte significativa das nuances do mundo: desertos, florestas, mares, lagos, planícies e cordilheiras. Já passamos por frio e por calor; por chuva e pela total falta dela; por insetos, por carros; por asfalto e por areia... E por pessoas. Muitas delas. Povos adaptados a diferentes climas, sujeitos a diferentes histórias, tornando-se ímpares em alguns aspectos e, ao mesmo tempo, similares em outros. Ainda há muito pela frente, mas a amostra até então é fascinante. Todos os países que visitamos até agora têm, no passado, o mesmo colonizador. São todos católicos e geograficamente próximos. Porém, a vibração e dinamismo do ser humano são impressionantes, e podemos dizer que cada povo que conhecemos possui sua devida singularidade. A observação da diversidade é um dos nossos principais fatores de motivação para seguir adiante a alcançar lugares mais longínquos. De certa forma, o que conhecemos até agora possui inegáveis semelhanças com o nosso próprio país e da nossa própria história. Temos que ir mais. Temos que alcançar maiores distâncias e maior diversidade. Locais onde as variáveis clima, religião, história, etc., impuseram tamanha diferença, que a distinção com a nossa cultura pessoal ganham outra dimensão. Mas ainda há muito chão. Por enquanto, o rumo é o Norte!
Precisávamos avançar mais rapidamente. As estações do ano não podem esperar, e temos que chegar a Europa antes do início do outono. Passar pela Costa Rica correndo parece até um pecado, mas temos que entender que há um cronograma a ser cumprido, e o que usarmos agora pode faltar no futuro. As boas praias do Panamá acabaram por nos ajudar na difícil tarefa de cortar uma parte do roteiro costarricense: abrimos mão do litoral e fomos pelo interior, conhecendo os seus famosos vulcões. Veio realmente bem a calhar, pois nossa atual experiência com vulcões estava limitada a algumas visões distantes e a uma visita noturna totalmente frustrada, todas no Equador. “Vamos às alturas!”.
Já no primeiro dia chegamos à Turrialba, uma cidade de mesmo nome de um vulcão próximo. Pegamos alguma serra, o que era de se esperar. Mas a dificuldade ficou por conta da quantidade de caminhões na estrada, o que reduzia muito a nossa velocidade média. Descobrimos lá que os costarricenses são mais neuróticos do que os brasileiros por feijão! Excelente notícia! Eles servem feijão do café-da-manhã ao jantar. À exceção da primeira oferta, as demais foram regularmente aproveitadas.
Turrialba nos pareceu muito agradável. Pequena e pacata. Apesar de não termos rodado muito, essa foi nossa impressão. Saímos cedo na manhã seguinte em direção ao vulcão. Não ao Turrialba, e sim ao Irazu, outro que ficava bem próximo e que era mais bem falado no guia. Estávamos ainda desconfiados das distâncias na Costa Rica e de quanto conseguiríamos rodar por dia, por isso não queríamos colocar muitos eventos na mesma programação. Iniciamos a subida e a surpresa foi muito boa! Uma estrada agradável e com pouco trânsito. Acompanhados de um muito sol, estava tudo perfeito, e seguíamos realmente passeando.
Chegando a uma encruzilhada, paramos para pedir informações. Estávamos na entrada do Turrialba, e queríamos ter certeza de que não perderíamos o caminho para o Irazu. Quando o simpático costarricence se aproximou, nos disse que não poderíamos deixar de visitar o Turrialba e que, lá de cima, poderíamos seguir direto para o Irazu. “Perfeito! Vamos então!”. A subida era realmente pesada. Fiquei especialmente sorridente quando passou a primeira de várias placas informando que aquele caminho deveria ser feito somente por carros quatro por quatro! Fiquei feliz por estar com o Pezão. Já no início, um belo cenário! As nuvens abaixo de nós, o azul do céu, e o fabuloso contraste entre um firme verde, desde a base da montanha até próximo do cume, e um pálido cinza na vegetação próxima à cratera. Essa cena fez com que os olhos da Du brilhassem da mesma forma que ocorrera nas primeiras visões do Atacama. A vegetação acinzentada e morta ao redor da cratera era realmente impressionante, e nos fez perceber o poder do vulcão.
A subida continuava, cada vez mais inclinada e esburacada. Já não havia dúvidas da necessidade da tração nas quatro rodas para se estar ali. Subíamos junto com a empolgação da fotógrafa. Por fim, chegamos à entrada do parque e... fechado! Incrivelmente fechado! Demos uns gritos e umas buzinadas e nada! Paciência. Voltamos um pouco e olhamos para a cratera. Estávamos bem perto, e conseguíamos ver a densa fumaça que era expelida. Ela dissipava-se à frente do sol e criava um incrível e reluzente azul. A Du não parava nem pra beber água.
Descemos até uma encruzilhada que dizia “Ruta Colonial y de los Vulcones”. “Vamos nós! Direto para o Irazu!” A viagem, em uma média de vinte por hora, seguia em clima de festa. Era meu aniversário e a Du brincava dizendo que fora ela quem encomendara tudo de presente pra mim. Passeávamos bem devagar, curtindo cada curva e cada paisagem. O único cuidado necessário era não chegar próximo da borda de fora da estrada, que possuía pedaços desbarrancados a cada cinco minutos. Subitamente, virou o tempo. Começou uma chuva fina e a temperatura caiu. As nuvens, muito baixas, eram arremessadas nas colinas pelo vento e renderam mais algumas boas fotos. Na entrada do Parque Nacional Volcan Irazu, o tempo não estava muito animador. Muitas nuvens, e uma visibilidade muito reduzida, nos faziam duvidar do quanto valeria a pena pagar os vinte dólares da entrada. (Aliás, altos preços são uma constante na Costa Rica.) Aguardamos um pouco e decidimos entrar. Depois dos dias de sol em Bocas del Toro, brincávamos que São Pedro estava indo junto no Pezão, e ele não ia nos deixar na mão. Estacionamos e entramos em um café. A partir dali, seriam somente alguns minutos de caminhada até a cratera, mas o tempo estava ruim e era melhor esperar. Pedimos dois chocolates quentes e duas empanadas. Comemos sem pressa, revendo as fotos do Turrialba. Diminuiu um pouco a chuva, mas a nebulosidade ainda era imensa. Falei pra Du pra irmos assim mesmo e esperar pra ver no que dava. Pegamos o guarda-chuva e começamos a caminhar. No momento em que avistamos a cerca que mantinha os turistas a uma distância segura da ribanceira, parou de chover. Quando chegamos perto e olhamos pra cratera, um raio de sol! Alguns segundos depois, um imenso clarão azul entre as nuvens e a cratera toda iluminada! Ponto pra São Pedro! Tivemos uma visão perfeita da cratera! Ela secou recentemente, faltando-lhe agora a bonita lagoa de águas verdes. Ficou em seu lugar um solo incrivelmente rachado. Não lhe tirou o brilho! O cenário é fabuloso!
Descemos do Irazu e partimos para a capital, San José. Ainda estávamos na dúvida sobre qual a importância que daríamos a San José. Estávamos com pouco tempo e sempre nos pareceu melhor usar os escassos dias com lugares mais interessantes. Falamos com pessoas que conhecem a capital e percebemos que compartilhavam da mesma opinião. Concordamos em passar por lá e tomar a decisão de acordo com o que víssemos. Porém, já na entrada da cidade, ela se encarregou de tomar a decisão por nós. Em uma única via, sinais de trânsito e um imenso engarrafamento. Paramos meio desanimados e insistimos por quinze minutos. Caos completo. Olhamos um pra cara do outro e decidimos sair correndo daquela confusão. “Vamos voltar para as montanhas!”.
Começamos a ir para o noroeste, em direção ao vulcão Poás. A cidade próxima, que tinha alguma referência em nosso guia, chamava-se Heredia. Chegamos rapidamente e começamos a procurar abrigo. A nossa intenção era ficar por duas noites, para descansar e para preparar o diário do Panamá. Queríamos algo com certo conforto, e as buscas em Heredia estavam ingratas. Terminamos em um fantástico hotel em uma cidade próxima, Santo Domingo. Acabou sendo um presente da Du para mim! Belo aniversário! Ficamos por dois dias na vida mansa, com piscina, sauna, boa comida e um quarto sensacional! Presentão!
Depois da folga, estrada! Começamos a subir em direção ao Poás. Novamente, a subida foi um passeio muito agradável. O tempo estava um pouco fechado e chegamos a pegar uma chuva leve. Entramos no parque e estacionamos o Pezão. Conforme já podíamos contar, o sol começou a sair! Excelente! Chegamos até a cratera e estava fascinante. Havia a lagoa verde e uma impressionantemente densa fumaça. Demos muita sorte. Encontramos um pessoal boa praça e a mulher comentou que, após três tentativas frustradas, finalmente conseguira mostrar a cratera ao amigo que a acompanhava. Tínhamos somente esta chance e conseguimos ver!
Saímos do Poás em direção ao próximo vulcão, o Arenal. Esse era o mais esperado! É o mais ativo da Costa Rica e, se déssemos sorte, poderíamos ver o jorrar das lavas durante a noite! Uma experiência totalmente inédita para nós. Ficamos ansiosos!
A viagem para a cidade próxima ao vulcão, La Fortuna, foi bem cansativa. Muitas curvas e muitos caminhões. Chegamos ao anoitecer, completamente moídos. Paramos em uma assistência turística para entender como as coisas funcionavam. Descobrimos que as lavas estavam caindo na face sudoeste do vulcão, ou seja, do lado oposto da cidade. Aceitamos então a sugestão de hospedar-nos em um hotel que ficava de frente para o espetáculo, pois assim poderíamos montar os equipamentos de foto e aguardar pra ver o que acontecia. Estávamos dispostos a usar a madrugada para tentar ver e registrar algum movimento das lavas do vulcão. O problema era que estava chovendo torrencialmente. Não havia nada garantido.
Chegamos ao hotel e fomos correndo dar uma olhada no vulcão. Eles têm um excelente deck, com mesas e cadeiras de frente pro crime, mas... “Cadê o vulcão?!”. Simplesmente não havia vulcão! Somente chuva e nuvens baixas e pesadas! Não dava pra ver absolutamente nada. Paciência. Fomos pro quarto tomar banho e organizar as coisas. Depois do banho, a Du estava falando com o irmão pelo computador e eu fui dar mais uma olhada no tempo: inacreditável! Milhões de estrelas! Céu aberto acima de nós! Corri pro deck pra ver o vulcão! Nuvens... Estava ainda bem encoberto. Dava pra ver a sua base, mas o cume estava totalmente encoberto. Bem, está melhor que antes. Deve melhorar ainda mais.
Fomos jantar e ficamos de olho no Arenal. De vez em quando, dávamos uma espiada. Nada. Comecei a lembrar do Equador e a imaginar que lava de vulcão é lenda. Após o jantar, ficamos na sacada do restaurante dando uma olhada no que ainda eram somente nuvens. Estávamos olhando pra a base de uma montanha, esperando ver algo, quando a Du deu um berro! Ao lado, na montanha vizinha, correu uma língua vermelha que logo se apagou! Estávamos olhando a base errada! Na verdade, estava tão escuro e nebuloso que não dava pra entender muito bem o que era o que. Ficamos felizes, pois mesmo que as nuvens não nos permitissem ver nada por enquanto, sentíamos que o cenário era promissor! Tínhamos duas noites pela frente e o vulcão estava em atividade. “Vamos conseguir ver!”.
Demos uma dormida e, a uma da manhã, pegamos a traquitana fotográfica e fomos para o deck. As nuvens tinham diminuído ainda mais e dava pra ver melhor o que seria o formato do vulcão. O cume ainda estava encoberto, mas podíamos ver uma leve sombra da sua silhueta. A Du começou a ensaiar algumas fotos com o tripé. De repente, vimos um brilho vermelho enorme, logo abaixo das nuvens, mais ou menos no meio da parede do vulcão! A veloz língua vermelha chocou-se morro abaixo contra algo e explodiu em quatro traços menores! Que espetáculo! A Du registrou na máquina, mas ainda precisava de ajustes. Comemoramos o fato de termos enfim vivenciados uma atividade vulcânica. Ficamos assim por algumas horas, aproveitando para fazer mais algumas palhaçadas com a máquina. Durante algumas horas, vimos várias jorradas de lava na metade de baixo do vulcão. Faltava somente as nuvens descobrirem o cume para vermos o espetáculo completo. Passava um pouco das três da manhã quando fomos dormir, ainda com as impressionantes imagens na cabeça e na máquina fotográfica.
O dia seguinte amanheceu bonito, mas na hora do almoço tornou-se tempestuoso. Fomos almoçar no centro da cidade e voltamos para o hotel. Dei uma dormida enquanto a Du tratava as fotos no computador. Quando saímos para jantar, olhamos para o céu pela primeira vez naquela noite... Surpresa! Nenhuma, simplesmente nenhuma, nuvem no céu! Somente estrelas, centenas delas! Fomos correndo ver o Arenal e ele estava praticamente exposto, contando somente com um pequeno manto tentando esconder o seu cume. Lembramos da noite anterior e ficamos eufóricos com a possibilidade de que acontecessem as mesmas atividades, porém sem as nuvens. Eram sete da noite e, acompanhados por uma garrafa de vinho, ficamos por duas horas registrando as impressionantes avalanches de lava que corriam pela lateral do vulcão. A Du fez fotos simplesmente incríveis. Dessa vez, eu acompanhava de binóculos, o que tornava as cenas fantásticas. Às vezes, havia estrondos tão altos que conseguíamos ouvi-los. Que experiência fenomenal! Jantamos bem próximos da sacada do restaurante e deixamos a máquina preparada. Mesmo durante o jantar, fizemos mais algumas fotos. Nesse momento, o Arenal não possuía praticamente nenhuma nuvem ao seu redor.
Saímos no dia seguinte em direção à última parada antes da Nicarágua. Nos hospedamos em Cañas Dulces, próximo a Libéria. Nosso objetivo era conhecer o Parque Rincon de La Vieja, berço de mais um vulcão de mesmo nome. O esquema desse parque era outro: uma entrada, com um estacionamento, e muitas trilhas. A trilha para a cratera era muito longa, e não chegamos cedo o suficiente. Preferimos optar por uma trilha de duas horas que passava por inúmeros pontos de interesse em áreas mais baixas. A caminhada foi leve e divertidíssima. Passamos por várias poças de águas e lamas ferventes, misturadas em meio a uma vegetação antiga e muito interessante.
Seguimos em direção à fronteira com a Nicarágua, bem próxima. Já estávamos preparados para um pouco de confusão, pois o guia avisava que a fronteira era tumultuada. Na passagem pelo lado costarricense, não perdemos mais do que vinte minutos. Já do lado da Nicarágua... Abordagens sistemáticas e sequenciais de candidatos a despachantes já davam sinais de que a burocracia seria cansativa. Fomos avançando, na base de vários “No, gracias”, e conseguimos estacionar. Fomos então abordados por um sujeito com uma cara de menos picareta e que ostentava um crachá. Perguntei se ele trabalhava no governo e ele respondeu que era um “auxiliar” de fronteira e que ele poderia ajudar. Pagaríamos o que, e se, quiséssemos. Achei bom e iniciamos a “burocra”. Eram SETE etapas! Umas de graça, outras pagas. O nosso “auxiliar” estava se esforçando e realmente ganhamos um baita tempo indo direto aos pontos, na ordem certa, com os documentos certos. Ele fez por merecer e recebeu uma remuneração pelo tempo conosco. Contou que, considerando um trabalho na alfândega, que fizera no passado, e a ocupação atual, estava há vinte e cinco anos na bagunçada fronteira.
Nossa impressão da Costa Rica foi realmente muito boa. Sentimo-nos seguros, em um país bem tranquilo. Fomos, na maioria das vezes, muito bem recebidos. Seguimos agora o rumo Norte na Nicarágua, pela estrada que praticamente margeia o imenso Lago Nicaragua. Vamos em direção à ilha Ometepe, que fica dentro do lago e é formada por dois vulcões. Já que perdemos o Titicaca, no Peru, poder conhecer um grande lago nos pareceu muito bom. Estamos avançando! E indo bem!